Odontogeriatria I.

Se voltarmos no tempo, há menos de meio século atrás, veremos como era comum pessoas, a partir da quarta ou quinta década da vida, não possuírem grande parte da dentição, ou mesmo estar com a falta total dela. Já se enquadravam na condição de idosos em relação ao estado bucal.  A cárie não era  privilégio de classes menos favorecidas, atacava a todos. O desconhecimento do tratamento das doenças gengivais nem se fala. Triste cenário. Com a melhoria na informação, educação e consciência social,  a condição de idoso tem sido retardada, e as pessoas  tem recorrido a serviços de saúde melhores, em especial a odontologia, que objetiva principalmente a manutenção e reconstrução do sistema mastigatório em qualquer faixa etária.

Li recentemente um artigo, onde pesquisadores japoneses, concluíram depois de um acompanhamento de idosos por um longo período que, os que tinham uma sobrevida mais longa e com melhor qualidade, numa média geral, eram os que possuíam dentes  suficientes para uma boa mastigação. Em seguida ficou o grupo dos que usavam próteses adaptadas e funcionando bem, por último o grupo dos desdentados totais, parciais, ou possuidores de próteses mal adaptadas, as quais, não permitiam uma boa alimentação. Estes entravam em decadência mais cedo e desenvolviam diferentes doenças.

Sabe-se que os cuidados com indivíduos mais idosos devem ser maiores num todo. Na alimentação, existem muitas pessoas fazendo uso de alimentos pastosos e ou líquidos. Além de perderam o tônus muscular, vão diminuindo  as medidas naturais do sistema estomatognático, gerando outros problemas de saúde bucal como doenças periodontais, dores articulares, aumento de saburra lingual, mau hálito, estética prejudicada, dificuldade para relacionar-se, até mesmo por problemas com a fala. A deficiência nutricional fica instalada, comprometendo-o por completo.

Certa vez atendi uma senhora com mais de 70 anos, desdentada superior e inferior. Alimentava-se, segundo ela, até de carne com facilidade. Após insistência da filha resolveu fazer duas próteses totais. O que vi num primeiro momento foi algo trágico. A língua desta paciente era toda incrustada de restos de alimentos, onde além do odor fétido, havia ulcerações que se misturavam com fibras dos alimentos, as quais estavam "grudadas” sobre o dorso da língua. Durante a confecção das próteses, fomos limpando a língua, tratando as  "ulcerações" e promovendo o retorno das condições de saúde bucal. Tivemos que treiná-la e orientá-la sobre a forma correta de alimentar-se, pois mesmo de dentadura ainda tinha o mau hábito de esmagar os alimentos com a língua e não com os dentes da prótese.  Foi um desafio, mas conseguimos.

Além de devolver-lhe uma condição de saúde melhor, ela teve sua auto estima aumentada, problema que nem ela mais percebia. Passou a relacionar-se melhor com as pessoas, pois além de ter dentes, o odor desagradável que saia da boca desapareceu. O mais comovente é que ela se acomodara naquela situação, como se fosse sua única opção. Mesmo a filha insistindo recusava-se a aceitar o tratamento. Até que um dia ela cedeu, para a felicidade de todos os envolvidos no processo.

Estima-se que, no Brasil,  até 2050 serão 32 milhões de pessoas com mais de 65 anos. Deseja-se que, cada vez mais, essas pessoas tenham acesso a informação, exerçam o direito e dever  de preservar-se. Surge então uma nova área na odontologia, a qual honestamente para mim deveria ser uma praxe de qualquer cirurgião dentista, entender a necessidade de se fazer o melhor em qualquer idade.

Comparo a questão da terceira idade, com a das crianças, que possuem os dentes de leite. Para que tratá-los se virão os definitivos. Quanta ignorância. Nos idosos, porque tentarmos salvar um dente, se podemos acrescentar mais um na prótese já existente. A você que esta lendo, não permita que lhe tratem assim. Busque sua melhor qualidade de vida.

Certa vez, uma paciente tinha febre todos os dias, no final da tarde. Após inúmeras consultas em médicos e vários exames surgiu a dúvida se não poderia ser algum problema bucal. Ela infelizmente, só tinha seis dentes e usava uma  prótese parcial removível na arcada inferior. Na arcada superior, usava uma prótese total. Tinha uma boca tratada e restaurada da forma mais tradicional possível. Não possuía focos infecciosos periodontais  ou de origem endodôntica,  caries, ou próteses mal adaptadas, ferimentos intra orais ou lesões. Portanto não havia nenhuma doença bucal. A paciente esgotou-se em pedir-me que, extraísse todos os seis dentes que lhe restavam, já que nenhum exame havia mostrado a causa da febre.  Chegou a levar ao seu médico, as radiografias e um laudo assinado por mim, concluindo que ela não possuía nenhuma alteração que justificasse a febre. Eu a venci pelo cansaço.

A paciente mudou de médico e foi diagnosticado um reumatismo raro, o qual só é detectado através de um exame específico. Isso já faz 5 anos, ela está bem, continua com seus dentes. Fico feliz por não ter cedido aos apelos da paciente, e por ter agido de forma profissional e humana. 

Estes dois relatos são para que, você  internauta, faça  uma observação, com seu caso ou de alguém conhecido. São apenas histórias corriqueiras de minha vivência clínica, mas que aumentam minha experiência e mostram o quanto podemos e devemos colocar amor e dedicação em nosso trabalho. A vida é um eterno aprendizado. Só precisamos estar abertos a ouvir e observar mais o próximo.

O foco principal é você entender que, na vida tudo deve ser preservado, o plano de aposentadoria vai além do fator financeiro. Você deve se perceber num todo, previna-se, você além de merecer tem dever para consigo.

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